Em 1957, o economista americano Anthony Downs publicou um livro clássico da ciência política chamado “Uma teoria econômica da democracia”. Em um modelo simples, Downs afirmava que os eleitores são seres racionais e que escolhem opções políticas que mais se aproximam dos seus interesses, objetivos e preferências. Mais importantes do que os vínculos ideológicos, compartilhamento de valores ou de identidades sociais é o fato de que os cidadãos compreendem que parte significativa do seu bem estar advém da gestão realizada por governos. Dessa forma, eles podem oferecer seu apoio a diferentes grupos, dependendo unicamente de quem representa maiores expectativas de ganhos futuros (aumento da renda de utilidade recebida do governo por cada indivíduo, ou seja, da percepção difusa do fluxo de políticas públicas que lhe é direcionado).
No caso da eleição presidencial brasileira de 2010, o modelo de escolha eleitoral elaborado por Downs pode ser bastante útil aos analistas. O dado mais importante de todo o processo eleitoral é o grau de satisfação da população com o governo Lula. Pesquisas realizadas por todos os institutos de pesquisa mostram incessantemente que o governo atual atingiu seus maiores índices de aprovação em toda a série histórica, iniciada em 2003 (cerca de 80%). Na medida em que as pessoas estão satisfeitas com a administração atual, pode-se supor que elas também estejam positivamente mais sensíveis à sua continuidade. Considerando que os brasileiros sejam racionais e buscam adequar suas ações aos seus objetivos, é palpável afirmar que buscarão uma alternativa eleitoral que mais se aproxime do ideal de continuidade. Nesse sentido, a candidatura de Dilma Rousseff ganha uma força estrondosa.
Seguindo essa lógica, a principal tarefa do núcleo de campanha de Dilma é elaborar estratégias para transformar a aprovação da população em desejo de continuidade. Caso esse estado de espírito seja obtido, bastaria apenas que a candidata do Planalto reunisse principalmente dois atributos: (i) forte identificação com o atual governo e (ii) credibilidade para prometer a manutenção das principais políticas públicas. Dilma Rousseff, principal burocrata do segundo mandato do governo Lula, possui ambas as qualidades necessárias. Ela não apenas é criação pessoal do presidente como dirige o governo há pelo menos quatro anos.
Há exemplos abundantes desse tipo de fenômeno político da continuidade: Márcio Lacerda em Belo Horizonte (apadrinhado de Fernando Pimentel e Aécio Neves), Luiz Paulo Conde no Rio de Janeiro (“criado” por Cesar Maia) e Celso Pitta em São Paulo (“filho” de Maluf). Em todos os casos, escolheu-se um burocrata para dar continuidade à administração exitosa e bem avaliada do mandatário que deixava o cargo.
É importante notar. O poder de transferência de votos não está ligado necessariamente à capacidade pessoal de Lula de persuadir eleitores, mas ao desejo de ver a atual administração tendo continuidade. Na medida em que as pessoas vão identificando a ex-ministra como a candidata do governo e da continuidade, seu índice de intenção de votos subirá naturalmente.
Portanto, é fácil notar que José Serra e Marina Silva encontram-se em um difícil dilema: ambos são candidatos da mudança em um momento histórico no qual as pessoas desejam a continuidade. No caso de Serra, a história lhe é duplamente ingrata, dado que na sua primeira tentativa presidencial (derrotado por Lula em 2002), ele era o candidato da continuidade enquanto os brasileiros queriam mudanças.
Serra já sinalizou o caminho que irá trilhar. Em primeiro lugar, tentará jogar aproveitando os erros oriundos da inexperiência eleitoral de Dilma (que não têm sido poucos). Em segundo lugar, deverá explorar áreas onde o governo federal não goza de boa aprovação, como a saúde e a educação. Resta saber se uma campanha temática/focalizada nesses dois temas possui amplitude suficiente para destronar outra pautada na economia e nos avanços sociais. Por fim, Serra tentará explorar a natureza inorgânica da aliança PT-PMDB, estimulando traições nos estados. Isso pode acontecer em colégios eleitorais importantes como Rio Grande do Sul, Pernambuco e São Paulo.
No caso de Marina Silva, suas fragilidade reside nas facetas contraditórias que permeiam sua imagem. Ela é mulher, ambientalista e evangélica. Uma mistura e tanto. Seu eleitorado “natural” seria composto de ativistas verdes e feministas com perfis bem progressistas. Entretanto, essas pessoas também tendem a ter posição favorável ao aborto, ao casamento gay e outros temas dessa natureza, que passam longe de qualquer candidata evangélica. E agora, como Marina deverá se posicionar? Privilegiar posições progressistas ou conservadoras? Qualquer caminho escolhido implica em abocanhar milhões de eleitores e descartar outros tantos. A favor de Marina pesam sua biografia incrível, o fato da questão ambiental encontrar-se na agenda global e a simpatia da imprensa estrangeira. Lembrem-se que esse último fator foi bastante importante na campanha de Obama (ele chegou a discursar para mais de 250 mil pessoas em um comício improvisado na Alemanha). Mesmo assim, repete-se a pergunta que se faz a Serra: uma campanha temática (meio ambiente) pode fazer frente a uma campanha concentrada em aspectos econômicos e sociais?
Para Downs, a resposta é bastante clara. Se ele pudesse analisar as eleições presidenciais brasileiras, diria que Dilma é favorita. E é mesmo. Pelo menos no que se refere ao período de pré-campanha, que dura até o dia cinco de julho. A partir daí, a propaganda eleitoral de rádio e TV é quem ditará o ritmo.Não se trata de dizer que o jogo zera com o início do horário eleitoral. Isso não acontece. Pelo que tudo indica, Serra e Marina iniciarão suas jornadas atrás de Dilma. No entanto, no período de campanha são introduzidos novos elementos que ainda não estão presentes no momento, como os enfrentamentos pessoais nos debates e a possibilidade de falar mal do adversário (campanha negativa).
Leonardo Barreto é doutorando em Ciência Política pela Universidade de Brasília e Coordenador do Curso de Ciência Política do Centro Universitário do Distrito Federal (UDF).
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