segunda-feira, 24 de outubro de 2011

As dificuldades de aprovação de Leis de iniciativa popular no Brasil

Por Tiago Monteiro Tavares:


As leis de chamada iniciativa popular são aquelas pelas quais a sociedade pode expressar diretamente sua vontade em que determinado tema possa vir a ser lei, ou pelo menos essa é a intenção. Esse direito é assegurado pela Constituição Federal de 1988, mas é um mecanismo difícil de ser posto em prática.

Pela Carta Magna, um projeto de iniciativa popular precisa receber a assinatura de pelo menos 1% dos eleitores brasileiros – cerca de 1,4 milhão de assinaturas – divididos entre cinco estados, com não menos de 0,3% do eleitorado de cada estado. A assinatura de cada eleitor deverá ser acompanhada de nome completo, endereço e número completo do título eleitoral – com zona e seção — e as listas de assinatura devem ser organizadas por município e por estado, de acordo com formulário que deve ser retirado na Câmara dos Deputados. O projeto deve ter informações da Justiça Eleitoral quanto aos dados de eleitores por estado. Além disso, deve ser protocolado na Secretaria-Geral da Mesa da Câmara, que tem a obrigação de verificar as exigências. Nessa fase, o Projeto de Lei de iniciativa popular ganhará um número e passará a ter a mesma tramitação dos demais, nas Comissões temáticas e no Plenário tanto da Câmara quanto do Senado e só depois, encaminhado para sanção do Presidente da República, ter sua publicação no Diário Oficial da União e, enfim, entrar em vigor com força de Lei.

Um bom e positivo exemplo é a “Lei da Ficha Limpa”, que entre outras proibições eleitorais, impede que cidadãos condenados por colegiado sejam candidatos a cargos eletivos. Como proposição legislativa demorou oito meses para tramitar nas duas Casas do Congresso Nacional. Considerado rápido, o trâmite só não superou o tempo despendido pelos parlamentares para aprovar o projeto que tornou crime passível de cassação a compra de votos. Nesse caso, a matéria foi apresentada em 18 de agosto de 1999 e sancionada 42 dias depois, em 29 de setembro do mesmo ano.

Desde a promulgação da Constituição de 1988 apenas quatro Leis de iniciativa popular entraram em vigor. O primeiro a ser aprovado no Congresso foi o que deu origem à Lei 8.930, de 7 de setembro de 1994. A norma caracterizou chacina realizada por esquadrão da morte como crime hediondo. Depois tivemos a Lei que criou o Fundo Nacional de Habitação, tendo sido a mais demorada para ser aprovada, sendo protocolada em janeiro de 1992 e sancionada apenas em 2005. Além da Ficha Limpa e da Cassação por Compra de Votos.

Dadas as dificuldades impostas pela Constituição, nenhuma das quatros Leis de iniciativa popular surgiram sem que houvesse um grande movimento e, de certa forma, uma entidade representativa por trás da organização e coleta das assinaturas. A primeira Lei (crime hediondo) teve o apoio de um movimento criado pela escritora Gloria Perez e foi enviada ao Congresso pelo então presidente Itamar Franco. Tanto o projeto Ficha Limpa quanto o projeto de cassação por compra de votos foram patrocinados pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Por fim, o Movimento Popular de Moradia foi o principal responsável pela Lei que deu origem ao Fundo Nacional de Habitação.

A Lei permite dada organização como movimento social, mas veda a responsabilidade pelas assinaturas. Algo muito abstrato, confuso e que não reflete a realidade desses movimentos sociais, que de certo modo, são sim os responsáveis pela coleta das assinaturas. Não bastando essa barreira legal, o histórico das quatro leis “populares” brasileiras nos revela que, independente do clamor social, elas dependem de uma certa “adoção” por parlamentares ou até pelo próprio presidente da República para conseguirem tramitar no Congresso. Isso porque o próprio Legislativo admite não ter meios de conferir os mais de 1 milhão de números de títulos de eleitor e assinaturas que a lei exige de um projeto desse gênero, verdadeiro absurdo que contraria a própria Constituição.


As dificuldades estão no apoio necessário para pautar o projeto no Congresso, haja vista que projetos de iniciativa popular não podem ser rejeitados por questões técnicas. Nesse caso, a Comissão de Constituição e Justiça é obrigada a adaptar a redação do texto.


Quando analisamos os preceitos de uma democracia constitucional, não podemos admitir como tal um Estado onde a proposição de Leis não seja acessível à população de maneira ampla, direta, ou seja, sem que de alguma forma a sociedade necessite se organizar via entidades e/ou movimentos sociais para apresentar leis. Isso não acontece no Brasil. Contudo, evidencia a falta de mecanismos que assegurem o “livre acesso” da população a demandar e pautar matérias legislativas em âmbito do Congresso Nacional, sem que necessitem ser organizadas por movimentos sociais ou apadrinhadas por políticos oportunistas.


Hoje, temos um perfeito exemplo de que a opinião popular não consegue “mover as montanhas” que separam os interesses políticos do Congresso Nacional dos interesses republicanos dos cidadãos brasileiros. O projeto de lei que proíbe a cobrança da assinatura básica na telefonia fixa (PL 5476/01), tramita na Câmara desde 2001. Mais de 2 milhões de pessoas já acessaram os serviços de participação popular da Câmara para manifestar apoio ao projeto. No último mês de setembro, 38.460 ligações (72,6%) de um total de 53.374 consultas ao Disque-Câmara (0800 619 619) se referiam à proposta. Ao longo dos anos, o projeto tem sido o campeão no ranking de acessos ao serviço. O referido PL é de autoria do ex-deputado Marcelo Teixeira, mais por via de regra, já recebeu condição de iniciativa popular, devido ao grande número de manifestações favoráveis a matéria.



É preciso ampliar o acesso da população aos meios de representação política, sob pena de não conseguirmos ser respeitados como uma democracia republicana e constitucional. Não basta o sufrágio universal para dizer que uma nação é livre e democrática. Agora, se 2 milhões de ligações, totalmente identificáveis, não agregam caráter popular a uma matéria em tramitação no Poder Legislativo, talvez o problema seja mesmo político e não estrutural. É chegada a hora de se pensar em uma reforma política como ela deve ser feita: exclusiva, com a participação de autoridades, especialistas e a população, que esteja voltada apenas para apresentar uma ampla proposta de reformulação dos sistemas político e eleitoral e não uma meia reforma que atende aos interesses dos legisladores constituídos e não geram as mudanças almejadas pela população.

Nenhum comentário:

Postar um comentário