Texto de Ronaldo Correia de Brito para o site Terra, veiculado pelo Blog Casa de Política, comentário meu:
Vi de leve um guia eleitoral na TV e notícias sobre a campanha dos candidatos à presidência. Bem de leve porque os discursos e a campanha publicitária ferem nossa sensibilidade e inteligência. O tom maniqueísta lembra os filmes de Glauber Rocha: O dragão da maldade contra o santo guerreiro e Deus e o Diabo na terra do sol. Embora José Serra se alardeie o representante do bem, beije uma cruz de Cristo pendurada no pescoço e saude a nação brasileira cristã; embora Dilma Rousseff assista missa na basílica de Aparecida e confesse ser devota de Nossa Senhora, tudo soa falso e da mais pura hipocrisia.
Os dois candidatos - cristãos de última hora -, orientados às pressas pelos marqueteiros de olho nos votos "religiosos", desconhecem os Mandamentos e o Evangelho de Mateus. Ignoram que não devem jurar o santo nome de Deus em vão e que a mão esquerda não deve saber o que faz a mão direita. Ao contrário, eles exibem diante das câmeras as ações da mão direita, alardeiam-nas, pois o único fim de seus atos falsamente puritanos é parecerem devotos, piedosos, praticantes do evangelho. - Sepulcros caiados! Lobos vestidos em pele de cordeiro! - gritaria o Cristo, expulsando os vendilhões do Templo.
É inconcebível esse retrocesso ao medievo católico ou ao fundamentalismo evangélico, quando em todas as democracias do mundo o Estado busca se desvincular da Igreja. Basta o exemplo da teocracia islâmica do Irã, onde os direitos democráticos mais elementares não são respeitados e as questões laicas são tratadas como se fossem questões de Deus. Nessa campanha, a política brasileira dá uma guinada para trás, permitindo a intromissão de um poder religioso na decisão eleitoral.
Somente numa democracia como a nossa, que de tempos em tempos sucumbe às ditaduras e que mal se refez do Estado Novo e do Golpe Militar de 64, é possível uma campanha com tamanho maniqueísmo e terror. Somos amedrontados a não votar em 'tal' candidato pelo risco de perdermos a liberdade de imprensa, de uma nova ditadura no molde stalinista, pela concentração do poder em certo partido, e etc., etc., e etc., num jogo político inconcebível num país de cidadãos livres. Existe coisa parecida nas eleições americanas? Os democratas apregoam que os republicanos querem se instalar no poder eternamente? Ou vice-versa? A resposta é não, porque os americanos possuem uma democracia estável.
É uma pena que as eleições não sirvam de oportunidade aos debates sobre educação, saude, desigualdade social e corrupção. Assistimos o vergonhoso circo de candidatos chafurdando em questões de foro íntimo, que nada têm a ver com as mazelas sociais brasileiras, manipulando a fé das pessoas, fazendo promessas impossíveis de cumprir.
Essa ingerência das instituições religiosas no processo político brasileiro é perigosa. O Estado que por Lei é laico, ou seja, que possui liberdade religiosa sem uma religião oficial do Estado e sem interferência das instituições religiosas nas questões fundamentais da organização e gestão estatal, não pode curvar-se diante de dogmas ou interesses múltiplos das instituições religiosas. No Brasil, o Estado só permanece laico porque as forças religiosas resultam num jogo de "soma-zero", onde a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e a Igreja Internacional da Graça de Deus (+ outras) dominam o debate político, de modo a "balancear" as forças.
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