Do Blog do Noblat - Artigo: Ruy Fabiano.
A política, como a literatura, serve-se de fórmulas e
esquemas para revestir de encanto e carisma seus
personagens. Tão importante quanto o herói, ensina Joseph
Campbell, é o antagonista, o anti-herói. Não há como
conceber um sem o outro, e o herói será tão mais fascinante
quanto mais cruel for o antagonista.
O antagonista fabricado pelo PT para gerar o herói Lula
chama-se Fernando Henrique Cardoso. Lula é o operário que,
galgando as adversidades impostas por uma sociedade injusta
e preconceituosa, triunfou. Já FHC, nascido em berço
esplêndido, não só desdenharia dessas dificuldades, mas se
empenharia em agravá-las.
Nasce desse esquema reducionista a idéia do “eles” (as
elites) e “nós” (o povão), emblema dos discursos de Lula.
Aplicado à história do Brasil, dá curso à versão do “nunca
antes neste país”, que precede o anúncio de todas as
realizações do governo Lula.
O Brasil popular e justo, dentro desse esquematismo, foi
fundado em 2002; antes, pertencia às elites, que só o
exploraram. Como o vilão perde força ao ser projetado
abstratamente numa classe social, é preciso dar-lhe rosto,
voz, perfil. FHC encaixou-se no molde, independentemente de
sua biografia o desmentir.
Em política, ensinava a velha raposa José Maria Alckimin
(não confundi-lo com Geraldo Alckmin, que nem seu parente
é), vale a versão, não o fato. A própria frase, cuja autoria
é de Gustavo Capanema, acabou atribuída a Alckimin, que com
ela entrou para a história, atestando a veracidade de seu
enunciado.
Nada disso, porém, resiste a um exame, ainda que
superficial. As biografias de FHC e de Lula como homens
públicos os colocam lado a lado até o momento em que o
primeiro chega ao poder. Fernando Henrique apoiou os
movimentos operários do ABC nos anos 80, que deram
visibilidade a Lula.
E Lula foi um dos cabos eleitorais de FHC nas eleições para
a prefeitura de São Paulo em 1985. Estiveram juntos nas
campanhas pela anistia e pelas diretas já. As divergências
começaram exatamente na redemocratização, quando o PT adotou
a estratégia de isolamento partidário, para “não se
contaminar” com os políticos tradicionais, sustentando que
não havia diferença entre Tancredo Neves e Maluf, farinhas
do mesmo saco, expressões das “elites”.
Era já a construção do mito, embora o maniqueísmo não fosse
ainda tão nítido, o que ocorreria exatamente nos governos de
FHC. Mas, em 1º de janeiro de 2003, ao receber a faixa
presidencial de Fernando Henrique – e isso está devidamente
registrado nos inúmeros vídeos feitos na época -, Lula disse
emocionado, abraçando seu antecessor: “Fernando, aqui você
terá sempre um amigo”.
Durou pouco a emoção. Já no dia seguinte, José Dirceu,
todo-poderoso chefe da Casa Civil, fazia menção à “herança
maldita” do antecessor. A expressão foi (e ainda é) repetida
à exaustão, mesmo sem qualquer fundamentação, quando
dificuldades precisam ser explicadas. Os fatos mostram, no
entanto, que a herança é benigna, pois garantiu a
estabilidade econômica e o êxito da plataforma
desenvolvimentista que o governo Lula pôde pôr em cena.
O Fome Zero capitulou à fórmula anterior da Rede de Proteção
Social, implementada por Ruth Cardoso – e criticada
fortemente por Lula (há vídeos também, disponíveis no
Youtube, que o atestam). O Bolsa Família descende dos
programas sociais do governo FHC (Bolsa Educação, Vale Gás,
Vale Transporte, Vale Alimentação).
Lula reuniu-os sob rótulo único e, graças a uma logística
eficaz pré-estabelecida, pôde expandi-los, como certamente
continuará a fazê-lo o seu sucessor, seja lá quem for. São
conquistas cumulativas – e consolidadas.
Os números triunfais de hoje na economia e a resistência do
sistema bancário brasileiro ao terremoto financeiro de 2008
decorrem de medidas adotadas para consolidar o Plano Real
(ao qual o PT se opôs), como a Lei de Responsabilidade
Fiscal (que em maio completa 10 anos) e o Proer (Programa de
Estímulo à Reestruturação e ao Sistema Financeiro Nacional),
igualmente combatidos por Lula e PT.
Lula mostra imenso talento na sustentação do mito. Talento
raro, que o projeta como um dos mais populares governantes
da história. Critica as privatizações, mas capitaliza os
seus resultados econômicos e sociais, como se não houvesse
conexão entre ambos. Condena o “neoliberalismo”, mas o
mantém a pleno vapor, sob o comando de um ex-tucano, o
presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, que Lula
queria como vice de Dilma.
O desafio presente, mais complexo, é encaixar José Serra no
figurino de anti-herói. Também ele é um emergente, de origem
modesta. Também ele foi um perseguido político. Nada disso,
porém, o impediu de tornar-se um economista renomado,
experimentado no exercício de numerosos cargos técnicos e
eletivos.
Daí a opção por uma campanha eleitoral plebiscitária, que
mantenha em cena o vilão FHC em contraponto ao herói Lula. É
uma fórmula que já deu frutos e Lula está certo de que
continuará a dá-los. O problema é que o herói (Lula) não se
parece nem um pouco com Dilma, nem o vilão (FHC) com Serra.
esquemas para revestir de encanto e carisma seus
personagens. Tão importante quanto o herói, ensina Joseph
Campbell, é o antagonista, o anti-herói. Não há como
conceber um sem o outro, e o herói será tão mais fascinante
quanto mais cruel for o antagonista.
O antagonista fabricado pelo PT para gerar o herói Lula
chama-se Fernando Henrique Cardoso. Lula é o operário que,
galgando as adversidades impostas por uma sociedade injusta
e preconceituosa, triunfou. Já FHC, nascido em berço
esplêndido, não só desdenharia dessas dificuldades, mas se
empenharia em agravá-las.
Nasce desse esquema reducionista a idéia do “eles” (as
elites) e “nós” (o povão), emblema dos discursos de Lula.
Aplicado à história do Brasil, dá curso à versão do “nunca
antes neste país”, que precede o anúncio de todas as
realizações do governo Lula.
O Brasil popular e justo, dentro desse esquematismo, foi
fundado em 2002; antes, pertencia às elites, que só o
exploraram. Como o vilão perde força ao ser projetado
abstratamente numa classe social, é preciso dar-lhe rosto,
voz, perfil. FHC encaixou-se no molde, independentemente de
sua biografia o desmentir.
Em política, ensinava a velha raposa José Maria Alckimin
(não confundi-lo com Geraldo Alckmin, que nem seu parente
é), vale a versão, não o fato. A própria frase, cuja autoria
é de Gustavo Capanema, acabou atribuída a Alckimin, que com
ela entrou para a história, atestando a veracidade de seu
enunciado.
Nada disso, porém, resiste a um exame, ainda que
superficial. As biografias de FHC e de Lula como homens
públicos os colocam lado a lado até o momento em que o
primeiro chega ao poder. Fernando Henrique apoiou os
movimentos operários do ABC nos anos 80, que deram
visibilidade a Lula.
E Lula foi um dos cabos eleitorais de FHC nas eleições para
a prefeitura de São Paulo em 1985. Estiveram juntos nas
campanhas pela anistia e pelas diretas já. As divergências
começaram exatamente na redemocratização, quando o PT adotou
a estratégia de isolamento partidário, para “não se
contaminar” com os políticos tradicionais, sustentando que
não havia diferença entre Tancredo Neves e Maluf, farinhas
do mesmo saco, expressões das “elites”.
Era já a construção do mito, embora o maniqueísmo não fosse
ainda tão nítido, o que ocorreria exatamente nos governos de
FHC. Mas, em 1º de janeiro de 2003, ao receber a faixa
presidencial de Fernando Henrique – e isso está devidamente
registrado nos inúmeros vídeos feitos na época -, Lula disse
emocionado, abraçando seu antecessor: “Fernando, aqui você
terá sempre um amigo”.
Durou pouco a emoção. Já no dia seguinte, José Dirceu,
todo-poderoso chefe da Casa Civil, fazia menção à “herança
maldita” do antecessor. A expressão foi (e ainda é) repetida
à exaustão, mesmo sem qualquer fundamentação, quando
dificuldades precisam ser explicadas. Os fatos mostram, no
entanto, que a herança é benigna, pois garantiu a
estabilidade econômica e o êxito da plataforma
desenvolvimentista que o governo Lula pôde pôr em cena.
O Fome Zero capitulou à fórmula anterior da Rede de Proteção
Social, implementada por Ruth Cardoso – e criticada
fortemente por Lula (há vídeos também, disponíveis no
Youtube, que o atestam). O Bolsa Família descende dos
programas sociais do governo FHC (Bolsa Educação, Vale Gás,
Vale Transporte, Vale Alimentação).
Lula reuniu-os sob rótulo único e, graças a uma logística
eficaz pré-estabelecida, pôde expandi-los, como certamente
continuará a fazê-lo o seu sucessor, seja lá quem for. São
conquistas cumulativas – e consolidadas.
Os números triunfais de hoje na economia e a resistência do
sistema bancário brasileiro ao terremoto financeiro de 2008
decorrem de medidas adotadas para consolidar o Plano Real
(ao qual o PT se opôs), como a Lei de Responsabilidade
Fiscal (que em maio completa 10 anos) e o Proer (Programa de
Estímulo à Reestruturação e ao Sistema Financeiro Nacional),
igualmente combatidos por Lula e PT.
Lula mostra imenso talento na sustentação do mito. Talento
raro, que o projeta como um dos mais populares governantes
da história. Critica as privatizações, mas capitaliza os
seus resultados econômicos e sociais, como se não houvesse
conexão entre ambos. Condena o “neoliberalismo”, mas o
mantém a pleno vapor, sob o comando de um ex-tucano, o
presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, que Lula
queria como vice de Dilma.
O desafio presente, mais complexo, é encaixar José Serra no
figurino de anti-herói. Também ele é um emergente, de origem
modesta. Também ele foi um perseguido político. Nada disso,
porém, o impediu de tornar-se um economista renomado,
experimentado no exercício de numerosos cargos técnicos e
eletivos.
Daí a opção por uma campanha eleitoral plebiscitária, que
mantenha em cena o vilão FHC em contraponto ao herói Lula. É
uma fórmula que já deu frutos e Lula está certo de que
continuará a dá-los. O problema é que o herói (Lula) não se
parece nem um pouco com Dilma, nem o vilão (FHC) com Serra.
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